Durante o processo de torração do café, ocorrem diversas e complexas reações químicas que originam os atributos sensoriais da bebida. Os principais componentes químicos do café cru e as modificações que ocorrem nele estão descritas a seguir.
A sacarose constitui de 7% a 8% do grão verde e, dentre os açúcares solúveis do café, é o que sofre maior degradação no processo de torração, sendo rapidamente transformada em produtos caramelizados, responsáveis pela cor. Inicialmente, ocorre a desidratação desse carboidrato, seguida pela hidrólise a açúcares redutores. Com a elevação da temperatura, os açúcares redutores são desidratados, polimerizados e parcialmente degradados a compostos orgânicos voláteis, água e gás carbônico (Sivetz, 1963). A degradação da sacarose é dependente do grau de torração, ocorrendo o aparecimento de pentoses como arabinose e ribose, nas torrações mais intensas (Sabbagh & Yokomiso, 1977), citados por Schenker (2000).
O amido e as dextrinas originam água e polissacarídeos solúveis. Uma pequena porção dos amidos é parcialmente degradada, liberando água e dióxido de carbono. O restante pode ser caramelizado ou até mesmo carbonizado, dependendo do grau de torração (Sivetz, 1963).
As pentosanas são decompostos parcialmente em furfural, o qual está presente em nível bem alto na torração clara, sendo sua presença facilmente identificada pela fragrância de cereal (Sivetz, 1963).
A celulose, hemicelulose e lignina são constituintes que ligam os materiais da estrutura celular dos grãos. Esses componentes não são muito afetados pela torração e são, na maioria das vezes, insolúveis em água. A hidrólise ou carbonização deles é pequena se comparada a de outros carboidratos, no entanto, são importantes partes da estrutura celular dos grãos, exercendo função de resistência à pressão originada no interior das células. A pressão criada pelos gases internamente nessas moléculas no momento em que a pirólise está ocorrendo, modifica a estrutura celular, causando um inchaço e a liberação de dióxido de carbono (Sivetz, 1963, Coffee Chemistry, 2007). Em processos de torração em que o tempo utilizado é mais curto, o efeito provocado pelo inchaço das células é maior, pois as moléculas de dióxido de carbono e água são liberadas simultaneamente, aumentando a pressão exercida na estrutura dos grãos (Illy & Viani, 1995).
O pH e a acidez são importantes na qualidade sensorial da bebida. A acidez depende de diversos fatores, tais como: a variedade do café, idade dos grãos, grau de torração, manipulação comercial do produto, bem como da relação entre a concentração de ácidos e pH (Sivetz, 1963). França et al. (2001) constataram que o pH é pouco modificado durante a fase inicial da torração, ocorrendo uma queda a seguir quando atinge um valor mínimo com posterior elevação. A redução do pH pode estar associada à formação de ácidos nas reações de decomposição dos açúcares, descarboxilação de ácidos formados pelo rearranjo de açúcares e descarboxilação dos ácidos clorogênicos, resultando em ácido quínico e cafeolquínico (Lentner & Deatherage, 1959; Menezes, 1990) citados por Borges et al., (2004). O conteúdo de ácidos voláteis e não-voláteis varia com o grau de torração. Os ácidos voláteis são formados pela pirólise de carboidratos e proteínas. Os ácidos não-voláteis existentes no café cru variam e se decompõem mais rapidamente com o aumento do grau de torração (Sivetz, 1963).
Os ácidos clorogênicos ocorrem em maior concentração no café cru. A intensidade de degradação varia em função do grau de torração (Sivetz, 1963, Coffee Research Science, 2007). Alves et al. (2006) constataram, em café arábica, um percentual de 0,47 em grãos de torração média e de 0,26 em torração escura.
Os ácidos carboxílicos são todos os ácidos que possuem um grupo carboxílico (-RCOOH), e uma xícara de café pode conter em torno de trinta diferentes ácidos carboxílicos.
O grão cru possui de 0,7% a 1,4% de ácido cítrico e o grão torrado de 0,3% a 1,1%. Em conseqüência da sua decomposição rápida na torração, sua concentração é maior nos graus de torração clara e média (Sivetz, 1963).
A maioria do ácido quínico presente no café torrado é produto da decomposição do ácido clorogênico. Sua concentração é de 0,3% a 0,5% no grão cru e de 0,6% a 1,2% no café torrado. Sua degradação origina fenóis, catecol, hidroquinona, pirogalol e difenois importantes na formação dos aromas do café (Sivetz, 1963).
A concentração do ácido acético nos grãos crus é pequena, porém, durante os primeiros minutos do processo de torração, a decomposição dos carboidratos produz pequenos fragmentos de vários ácidos naturais. É comum detectar um aumento de 25% na concentração inicial. O ácido acético é volátil e pode ser detectado na análise da fragrância do café (Sivetz, 1963).
A maioria dos compostos voláteis pertence ao grupo dos aldeídos e cetonas que são formados a partir da degradação das proteínas e carboidratos no processo de torração (Sivetz, 1963), podendo ficar retidos na estrutura celular dos grãos. Schenker et al. (2002), utilizando um torrador de laboratório com leito fluidizado e capacidade máxima de 100g de grãos crus por batelada, avaliaram o impacto de diferentes condições de torração na formação dos compostos aromáticos. Os resultados obtidos demonstraram que os cafés submetidos à torração lenta (dez minutos) apresentaram uma menor concentração dos compostos aromáticos em relação aos grãos submetidos à curva de torração rápida (dois minutos e trinta segundos). Entretanto, a alta concentração de compostos aromáticos não foi relacionada com a qualidade sensorial do café, já que os grãos submetidos à torração rápida apresentaram uma maior concentração de compostos relacionados a notas aromáticas herbáceas, de especiarias, terra e tabaco queimado.
As proteínas são desnaturadas em temperaturas inferiores a das reações de pirólise. A hidrólise das ligações peptídicas libera algumas carbonilas e aminas. Compostos sulfídicos hidrogenados são evaporados em grande quantidade o que torna difícil sua presença no café torrado. Os cafés cultivados em altitudes elevadas liberam e retêm dimetil sulfeto, um importante constituinte do aroma e sabor dos cafés de qualidade. Uma pequena quantidade de metil mercaptana e dimetil sulfeto também são liberados. O odor de peixe e amoniacal que os cafés com grau de torração muito escuro possuem é proveniente das aminas. As partículas insolúveis das proteínas são parcialmente associadas com substâncias gordurosas, e quando se prepara a bebida do café muitas proteínas estão presentes nas partículas coloidais originando a turbidez da bebida. Os aminoácidos livres, peptídeos e proteínas com grupos aminoácidos livres reagem com os açúcares redutores para formar glicosilaminas, aminoaldoses ou aminocetonas, por condensação (Illy & Viani, 1995). Os aminoácidos reagem com os componentes do grupo α-dicarbonil durante a degradação de Strecker e formam amicetonas (Illy & Viani, 1995).
A trigonelina ou também conhecida como acido nicotínico é uma importante base nitrogenada não é completamente degradada com a torração.
A cafeína é termo-estável (Sivetz, 1963).
Os triacilgliceróis presentes em torno de 12% do grão cru são susceptíveis à quebra nos pontos de duplas ligações, no entanto são também termoestáveis e as elevadas temperaturas alcançadas durante a torração não promovem mudanças em 95% desses compostos. Os óleos naturais vegetais são glicerídeos e o aquecimento na presença da água e ácidos propicia hidrólise, gerando glicerina e ácidos gordurosos. Com a liberação dos óleos coloidais durante o processo, há formação de uma fumaça vermelha. A torração promove a ruptura da estrutura celular dos grãos, liberando o óleo que estava ligado quimicamente, estes óleos iniciam um processo de movimentação livre pelos grãos, possibilitando evidenciar fisicamente as gotículas superficiais nos grãos que são submetidos a um grau de torração mais intenso (Sivetz, 1963).
O dióxido de carbono não existe livre no grão cru, sendo formado em razão da pirólise. Aproximadamente 1% do grão cru transforma-se em dióxido de carbono durante a torração e em torrações mais escuras este percentual pode chegar a 2%. O dióxido de carbono é um produto da decomposição dos ácidos carboxílicos liberado durante o processo de torração. O café torrado em grão armazena melhor o dióxido de carbono que o café torrado e moído, pois este possui uma superfície de contato maior, o que faz com que absorva umidade mais rapidamente, reduzindo a distância a ser percorrida para a volatilização (Sivetz, 1963).
Os minerais são separados durante a torração de suas origens orgânicas e catalisam as reações de pirólise. Os fosfatídeos integram a parte coloidal da bebida do café. O potássio e o íon de cálcio alcalino formam sais com os ácidos orgânicos quando liberados de suas formas químicas originais (Sivetz, 1963).
As primeiras reações que ocorrem na torração são endotérmicas, pois os grãos estão absorvendo calor, porém, no final do processo, as reações químicas passam a ser exotérmicas. Não existe um consenso entre os pesquisadores sobre o início e o final de cada tipo de reação. Illy & Vianni (1995) afirmam que as reações mudam de endotérmicas para exotérmicas em temperaturas em torno de 160ºC. Strenli (1973), citado por Schenker (2000), afirma que a mudança ocorre em temperaturas em torno de 190ºC. Essas reações químicas não estão completamente elucidadas em razão da grande dificuldade de reprodução ou simulação das mesmas em laboratório, porém importantes informações foram obtidas pelas comparações feitas entre os componentes dos grãos de café cru e os componentes dos grãos torrados. Algumas das mais complexas e abrangentes reações afetam principalmente os carboidratos do grão cru, entre as quais destacam-se a reação de Maillard, a degradação de Strecker, pirólise e caramelização, todas elas influenciam diretamente a formação do aroma, sabor e cor do café torrado (Jansen, 2006).

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